Vamos supor que o diálogo descrito abaixo é real. Não foi exactamente neste contexto, mas deparei-me com uma situação semelhante nos últimos dias.
- Vê lá tu que na terra dos meus pais há espectáculos inclusivos para crianças. - dizem-me.
- Inclusivos!? Porque é que dizes que são inclusivos? O que é que fizeram? Como é que fizeram?
- Existem 3 espectáculos calendarizados, um deles é objetivamente direcionado para um público especial. Existe mesmo uma referência a esta situação.
Para começo de conversa, não sou educadora, não sou professora, muito menos especialista em Educação Especial. Concluí uma licenciatura em Educação Básica (tronco comum para educadores e professores do 1º e 2º ciclos; se quiser ser Educadora e/ou Professora terei de concluir um mestrado profissionalizante) e uma Pós Graduação em Proteção de crianças em perigo e intervenção local. Tudo junto, profissionalmente falando, é uma mão cheia de nada. A nível pessoal, tenho muito orgulho em ter esta formação, independentemente se concordo ou discordo com a estrutura dos cursos, independentemente de terem sido boas ou más escolhas. Assim sendo, os conhecimentos que tenho sobre este assunto advêm, essencialmente, da formação que tenho, o que é redutor. É um assunto que me interessa muito, mas dizer que tenho conhecimentos aprofundados acerca do mesmo, é falso. Posso dizer-vos que o assunto Inclusão foi debatido várias vezes durante a licenciatura (principalmente no 3º ano), no entanto não tive nenhuma Unidade Curricular de Educação Especial/ Necessidades Educativas Especiais (NEE). Só frequentei uma Unidade Curricular de Necessidades Educativas Especiais como aluna externa de mestrado (fiz apenas 3 UC's do mestrado, falta muito para o concluir). Em relação à Pós Graduação, tive algumas Unidades Curriculares que abordaram o tema Inclusão e NEE.
Em relação à minha atividade profissional, sou rececionista e administrativa. Deparo-me com famílias que sentem na pele a falta de apoio ao nível da saúde e revolto-me com isso. Mas não tenho (com muita pena) um papel propriamente ativo na resolução das situações problemáticas.
Voltando ao diálogo lá de cima, é como dizer que uma escola é inclusiva porque tem uma turma específica para crianças com necessidades educativas especiais. Isto não é Inclusão. Se um filho meu tivesse uma necessidade específica (temporária ou permanente), gostaria que criassem condições que permitissem inclui-lo numa turma dita normal/regular, em que as diferenças e/ou as dificuldades fossem vistas como motores de aprendizagem para todos e não como fatores impeditivos.
-É difícil? Claro que é. Muito.
-Os professores não têm culpa. Ninguém escreveu isso aqui.
-O sistema tem de mudar. Claro que tem, a muitos níveis.
-O número de alunos por turma deve ser reduzido. Concordo (há quem defenda que é uma falsa questão).
-E a formação dos professores é suficiente/adequada? Acho que não. E nem estou a falar na área de Educação Especial/Necessidades Educativas Especiais, mas sim na área de criação de estratégias para um ensino diferenciado - os alunos são todos diferentes, logo as estratégias a utilizar devem ser diferentes.
...
Este assunto merece discussão pública urgente. Não para criticar ninguém, mas sim para promover uma tempestade de ideias. Para cada um dar o seu parecer, para ouvir o argumento do outro, para ouvir as famílias, para contra-argumentar, para selecionar medidas em conjunto, para listar dificuldades, para encontrar alternativas... Para fazer (mais) qualquer coisa, bolas! Todos temos de estar envolvidos nisto. Isto começa por ser um problema individual e familiar, mas também é um problema social, cultural, escolar, profissional... Quando é que estaremos prontos para fazer algo grandioso a este nível? Em conjunto: escola, pais, comunidade, autarquias, entidades oficiais e competentes...
Não somos todos iguais, não gostamos todos das mesmas coisas, não temos todos o mesmo ambiente familiar, não trazemos na mala das memórias as mesmas experiências, não temos aptidões nem vocações iguais, não temos as mesmas capacidades, não estamos expostos às mesmas oportunidades de aprendizagem. A inclusão não é apenas para crianças que carregam um diagnóstico. É para todos. Assumir isto talvez seja um bom ponto de partida.
Dizer que um espectáculo é destinado, preferencialmente, a um grupo de crianças com determinadas características/determinados diagnósticos, para mim, é sinónimo de exclusão. Até parece que estou a fazer de advogada do diabo: houve a preocupação
em adaptar o espectáculo para públicos especiais e eu estou a apresentar
argumentos contra. Mas não. Acredito que com a realização de um espectáculo "diferenciado" criaram oportunidade para alguns pais levarem os
filhos sem se sentirem constrangidos, porque os filhos habitualmente
fazem mais barulho ou são mais inquietos, por exemplo (bem, o meu também é muito inquieto, nem sei se isto é um exemplo adequado, mas enfim...). Eu compreendo.
Mas também acredito que criaram uma oportunidade para os discriminar ao
"dizer-lhes" que devem ir para aquele espectáculo específico e não para
outro.
Admito que o meu ponto de vista pode estar errado, que podem existir objetivos específicos que eu não estou a alcançar, que a intenção é boa. Eu é que não compreendo bem a sua finalidade, não estou convencida porque encontro mais pontos negativos do que positivos.
No final desta reflexão (não passa muito disso) resta-me concluir que temos muita estrada a percorrer até conseguirmos que estes pais não se sintam constrangidos em situação alguma, nem durante um espectáculo, nem em nenhuma outra situação. Porque a nossa capacidade de inclusão e de compreensão tem de ser melhorada.
E sobre esta prática, que eu relatei, devemos reter que houve uma preocupação clara no que respeita a inclusão. Isto pode, inclusive, levar-nos a práticas bastante vantajosas no futuro. É por isso que a discussão pública é importante: um apresenta uma sugestão, outro acrescenta uma etapa, outro contra-argumenta... No final chegar-se-ia a algo melhor para todos. Quase de certeza. Como é que isto pode ser feito? Localmente? Regionalmente? O que é que se está a fazer atualmente nesta área? São questões que (me) coloco.
Outros textos sobre este e assuntos semelhantes