Essa coisa de se dizer que uma criança/pessoa é
inteligente/muito inteligente tem muito que se lhe diga. Há vários
tipos de inteligência e dizer que uma criança tem aptidão para uma coisa, não a
livra de não ter jeitinho nenhum para outra. Talvez a minha opinião
sobre este assunto seja apenas para justificar o facto de nunca ter sido considerada uma criança muito inteligente, mas fazem-me sentido as teorias que defendem a existência de vários tipos de inteligência.
O
ano passado fui a uma festa de final de ano de um Jardim de Infância + 1º ciclo, na qual
foram entregues diplomas de mérito a algumas crianças. À minha frente duas mães
conversavam:
Mãe 1: a minha filha vai ser chamada ao palco para receber um diploma de mérito, a professora avisou-nos. E a tua?
Mãe 2: a professora não me disse nada...
Mãe 1: a tua filha não esteve no quadro de mérito!?
Mãe 2: sim, no 2º e 3º períodos.
Mãe 1: ahhh, a minha esteve nos 3 períodos, deve ser por isso.
Em
primeiro lugar, não gosto de quadros de mérito - lá está, talvez
porque no meu tempo de escola o meu nome só aparecesse no
quadro de alunos com o nível de desinteresse mais elevado ou no dos
alunos com o maior número de negativas. Em segundo, porque nunca percebo
muito bem quais são os critérios nem qual é o (verdadeiro) objetivo. Em terceiro, quando os percebo acho
(quase) sempre que são injustos. Neste exemplo concreto, a que se
manteve estável o ano inteiro recebeu um diploma, a que evoluiu não. Se a criança tiver uma vocação notável para as ciências e for (apenas) razoável a Língua Portuguesa, apesar de se esforçar e de
evoluir, não merece estar no quadro de mérito/receber um diploma de mérito? Segundo a justificação
dada àquelas mães, não: tinha de ter boas notas em todas as disciplinas e
em todos os Períodos... É pá, ninguém é bom a tudo... Bem, eu era má a
quase tudo - não sou um exemplo de boa aluna, já o escrevi antes; só fui razoável a partir do 10º ano, quando já trabalhava...
Sei que alguns defendem que este tipo de iniciativas aumenta os níveis de motivação, mas acredito que aumenta apenas a motivação dos que veem lá o seu nome. E a motivação dos outros?
Não ignoro que há crianças com mais facilidade no processo de aprendizagem, crianças mais curiosas, crianças mais sociáveis, crianças mais extrovertidas, crianças com maior capacidade de resolver problemas, crianças com maior facilidade de adaptação, crianças capazes de gerir melhor as emoções... crianças expostas a ambientes educativos mais estimulantes... enfim, existem crianças muito diferentes entre si e todas essas diferenças influenciarão, certamente, o seu desempenho escolar, entre outros fatores. Logo, não compreendo porque é que existe esta necessidade de comparar e premiar quando, à partida, não estão todos no mesmo patamar. Na verdade, muitas vezes, nem sabemos quais são os motivos que estão por trás de um bom ou mau desempenho escolar.
Defendo que a criança deve experimentar a "sensação" de frustração (é inevitável), convém inclusive que aprenda a lidar com com ela. No entanto, julgo que essa aprendizagem pode passar por dificuldades que sente em realizar alguma tarefa, por exemplo; pode passar por não conseguir realizá-la.
O meu filho não consegue atirar e "encestar" a bola com tanta eficácia como a prima (não acertou num determinado alvo que eles próprios definiram de forma espontânea - observei na última ida ao parque). Ficou chateado por não conseguir (porque se comparou com ela). Expliquei-lhe que a prima é mais alta do que ele, já fez "aquela brincadeira" mais vezes do que ele, talvez por isso consegue fazê-lo com mais facilidade do que ele. Não fingi que ela não consegue fazê-lo (ela consegue fazê-lo), nem assumi que ele vai conseguir fazê-lo já na próxima tentativa (porque não sei; ele até pode vir a estar em igualdade de circunstâncias e não conseguir). Posso apenas incentivá-lo a tentar. Agora, imagine-se que, depois desta justificação e depois de ele tentar e não conseguir, oferecia uma "prenda" à prima. Porquê? Com que objetivo? Ou imagine-se que depois de ele tentar várias vezes e conseguir, oferecia uma "prenda" à prima - porque ela conseguiu fazê-lo mais vezes. Porquê? Para quê?
Escrevi aqui sobre um livro que nos diz precisamente que isso de ser o melhor/o maior pode ser muito relativo.
Uma alternativa a isso dos quadros e diplomas de mérito:
Incentivar a criança a construir um livro no qual ela registe, através de desenhos, textos, colagens ou fotografias, o que vai aprendendo ao longo do ano (Livro da vida, de Célestin Freinet, pode ser uma inspiração). Algumas páginas podem até incluir o "Antes e o Depois" - o que o aluno (pensa que) sabe antes e o que o aluno sabe depois. No final do ano letivo, uns dias antes das aulas terminarem, pedir às crianças para escolherem uma das aprendizagens: uma que considerem importante, a sua preferida. Debater com as crianças as escolhas efetuadas, enumerar os motivos. No final do ano, promover uma festa/um lanche/um passeio com as famílias e permitir que cada aluno fale da sua aprendizagem preferida. Ou realizar uma exposição com todas as escolhas... E não vejo qualquer problema que vários alunos escolham a mesma aprendizagem. É verdade que não gostamos todos do amarelo, mas há alguns a gostar do amarelo. O objetivo não é demonstrar a diversidade de aprendizagens, mas sim deixar a criança escolher e descrever os motivos da sua escolha. O objetivo pode ser: "dar voz" à criança, deixar a criança avaliar a sua própria aprendizagem, promover a retrospetiva e revisão das aprendizagens efetuadas, incentivar a criança a justificar as suas opções...
No final, até se pode emoldurar a aprendizagem preferida de cada criança e oferecer a cada uma o que para si teve mais significado.
E o livro? O livro construído pela criança é, certamente, o melhor barómetro da sua aprendizagem. "é mais importante e justo avaliar uma criança tendo em consideração o seu progresso - o que a criança consegue fazer no início do ano letivo e no final, por exemplo - do que compará-la com qualquer outra da mesma idade e, supostamente, no mesmo estádio de desenvolvimento. Avaliar o progresso da criança, elogiá-la nas vitórias, relembrá-la do que já conseguiu alcançar e de como enfrentou as dificuldades, parece-me, claramente, mais justo e mais frutífero".
Era bom poder deixar (um pouco) de lado os livros que falam por nós, mas que dizem pouco de nós...
e começar a escrever um com as páginas em branco... com a nossa história, com as nossas descobertas... na escola ou em casa.
Sei que alguns defendem que este tipo de iniciativas aumenta os níveis de motivação, mas acredito que aumenta apenas a motivação dos que veem lá o seu nome. E a motivação dos outros?
Não ignoro que há crianças com mais facilidade no processo de aprendizagem, crianças mais curiosas, crianças mais sociáveis, crianças mais extrovertidas, crianças com maior capacidade de resolver problemas, crianças com maior facilidade de adaptação, crianças capazes de gerir melhor as emoções... crianças expostas a ambientes educativos mais estimulantes... enfim, existem crianças muito diferentes entre si e todas essas diferenças influenciarão, certamente, o seu desempenho escolar, entre outros fatores. Logo, não compreendo porque é que existe esta necessidade de comparar e premiar quando, à partida, não estão todos no mesmo patamar. Na verdade, muitas vezes, nem sabemos quais são os motivos que estão por trás de um bom ou mau desempenho escolar.
Defendo que a criança deve experimentar a "sensação" de frustração (é inevitável), convém inclusive que aprenda a lidar com com ela. No entanto, julgo que essa aprendizagem pode passar por dificuldades que sente em realizar alguma tarefa, por exemplo; pode passar por não conseguir realizá-la.
O meu filho não consegue atirar e "encestar" a bola com tanta eficácia como a prima (não acertou num determinado alvo que eles próprios definiram de forma espontânea - observei na última ida ao parque). Ficou chateado por não conseguir (porque se comparou com ela). Expliquei-lhe que a prima é mais alta do que ele, já fez "aquela brincadeira" mais vezes do que ele, talvez por isso consegue fazê-lo com mais facilidade do que ele. Não fingi que ela não consegue fazê-lo (ela consegue fazê-lo), nem assumi que ele vai conseguir fazê-lo já na próxima tentativa (porque não sei; ele até pode vir a estar em igualdade de circunstâncias e não conseguir). Posso apenas incentivá-lo a tentar. Agora, imagine-se que, depois desta justificação e depois de ele tentar e não conseguir, oferecia uma "prenda" à prima. Porquê? Com que objetivo? Ou imagine-se que depois de ele tentar várias vezes e conseguir, oferecia uma "prenda" à prima - porque ela conseguiu fazê-lo mais vezes. Porquê? Para quê?
Escrevi aqui sobre um livro que nos diz precisamente que isso de ser o melhor/o maior pode ser muito relativo.
Uma alternativa a isso dos quadros e diplomas de mérito:
Incentivar a criança a construir um livro no qual ela registe, através de desenhos, textos, colagens ou fotografias, o que vai aprendendo ao longo do ano (Livro da vida, de Célestin Freinet, pode ser uma inspiração). Algumas páginas podem até incluir o "Antes e o Depois" - o que o aluno (pensa que) sabe antes e o que o aluno sabe depois. No final do ano letivo, uns dias antes das aulas terminarem, pedir às crianças para escolherem uma das aprendizagens: uma que considerem importante, a sua preferida. Debater com as crianças as escolhas efetuadas, enumerar os motivos. No final do ano, promover uma festa/um lanche/um passeio com as famílias e permitir que cada aluno fale da sua aprendizagem preferida. Ou realizar uma exposição com todas as escolhas... E não vejo qualquer problema que vários alunos escolham a mesma aprendizagem. É verdade que não gostamos todos do amarelo, mas há alguns a gostar do amarelo. O objetivo não é demonstrar a diversidade de aprendizagens, mas sim deixar a criança escolher e descrever os motivos da sua escolha. O objetivo pode ser: "dar voz" à criança, deixar a criança avaliar a sua própria aprendizagem, promover a retrospetiva e revisão das aprendizagens efetuadas, incentivar a criança a justificar as suas opções...
No final, até se pode emoldurar a aprendizagem preferida de cada criança e oferecer a cada uma o que para si teve mais significado.
E o livro? O livro construído pela criança é, certamente, o melhor barómetro da sua aprendizagem. "é mais importante e justo avaliar uma criança tendo em consideração o seu progresso - o que a criança consegue fazer no início do ano letivo e no final, por exemplo - do que compará-la com qualquer outra da mesma idade e, supostamente, no mesmo estádio de desenvolvimento. Avaliar o progresso da criança, elogiá-la nas vitórias, relembrá-la do que já conseguiu alcançar e de como enfrentou as dificuldades, parece-me, claramente, mais justo e mais frutífero".
Era bom poder deixar (um pouco) de lado os livros que falam por nós, mas que dizem pouco de nós...
e começar a escrever um com as páginas em branco... com a nossa história, com as nossas descobertas... na escola ou em casa.
Imagens retiradas daqui.
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