terça-feira, 6 de junho de 2017

À conversa com o meu filho #14 - questões de género / Grandes livros para pequenos leitores #24 - Será que a Joaninha tem pilinha?

Ao ver a publicidade de um brinquedo na televisão afirmou com convicção: isto é para meninos.
- Para meninos!? Porquê? - perguntei.
- Também pode ser para meninas. - afirmei.

Quis aprofundar a questão: por que raio estaria ele a dizer-me que aquele brinquedo era para meninos?
- Porque é que achas que aquele brinquedo é para meninos, filho?- questionei.
- Porque só aparecem meninos. - respondeu.

É simples, bolas! O que é que eu não percebi?

Numa Unidade Curricular sobre Igualdade de Géneros discutiu-se bastante a existência de brinquedos que são, muitas vezes, direccionados  para meninas ou para meninos consoante a publicidade que lhes é feita (a influência/o poder das imagens). Mas não estava à espera que ele verbalizasse de forma tão directa e tão simples esta problemática - sim é uma problemática. É muito simples: se colocam apenas meninos a brincar com carros nos anúncios da televisão, na publicidade que fazem nos folhetos, nos livros infantis, as crianças são bem capazes de interiorizar que brincar com carros é uma coisa de meninos. Eu não expliquei ao miúdo que o carro é um brinquedo de meninos, ele chegou a essa conclusão pela sua experiência; verbalizou-o porque viu a publicidade com atenção.
Apesar de não termos uma cozinha de brincar cá em casa, ele sempre que vê um brinquedo do género demonstra interesse; ele brinca com caixas de plástico e colheres; ele faz pão em cima da nossa mesa da cozinha. No outro dia, num dos piqueniques que fizemos, queria trazer um bebé e respectiva cama de uma amiga... No entanto, a educadora diz que na sala, com todas as opções disponíveis (bebés, cozinha, tábua de passar a ferro, carros, comboios, construções, etc.) ele prefere sempre os carros e os legos.
Este fim de semana ofereceram-lhe roupa e o miúdo resolveu dizer que duas das camisolas são de menina, uma porque é cor de rosa, a outra porque tem flores...

Que influência terei eu nas suas preferências?
Incentivo-o a brincar com o que ele quer desde sempre, ou melhor, nunca o proibi de brincar com nada (excepto com detergentes, objetos perigosos...), mas a verdade é que até à data não lhe comprei nenhum nenuco nem nenhuma cozinha, apesar de ter andado a namorar uma há um ano atrás (era linda, mas cara).
Na minha opinião, as imagens transmitidas pela publicidade podem influenciar as nossas preferências e levar a uma classificação de brinquedos de acordo com o género, mas as nossas escolhas (minhas, neste caso) também. Apesar de achar que cada um de nós tem as suas preferências e que algumas delas são independentes de factores externos, o facto de eu não ter comprado determinado tipo de brinquedos pode influenciar as suas escolhas/preferências. No entanto, não sinto culpa em relação a este assunto, até porque da mesma maneira que não lhe comprei um nenuco, também não lhe comprei nenhum brinquedo da patrulha pata, apesar de ele gostar muito. Priorizei comprar outros brinquedos em detrimento destes, porque ele demonstrou gostar mais deles. Já o pai, acho que por nostalgia em recordar os seus tempos de criança, comprou-lhe uma coleção de carros da majorette.
Nos últimos dias, começou a dizer que uma das maracas que tem é um bebé, chamou-lhe Martim Joaquim (coitado do bebé), passados uns dias juntou-lhe o Pedrito Coelho (batizado por mim, quando ele era bebé). Agora diz que tem dois filhos. Entretanto, trocou-lhes os nomes: a maraca passou a ser o Rafa, ou seja o Rafael, o Pedrito Coelho passou a ser o Martim Joaquim (falta de sorte a dele). Diz que o pai é o avô dos miúdos. Pergunto-lhe se sou a avó. Ele responde que não, que eu sou a mãe. Agora sim, acho que chegou a hora de lhe comprar um boneco.


Há alguns anos, em contexto escolar, durante o recreio observámos que um grupo de meninos considerou que jogar à bola era um jogo exclusivo de meninos e por isso impediu que uma colega entrasse no jogo. Considerou-se que era uma problemática interessante para ser trabalhada e discutida em grande grupo. O ponto de partida foi um livro de uma colega nossa: Será que a Joaninha tem pilinha? Um livro da editora Dinalivro, de Thierry Lenain e Delphine Durand.
Nesta história, o Max investiga se a Joaninha tem pilinha. É que apesar de parecer um sem-pilinha, desenha mamutes em vez de flores, joga à bola, vence lutas... como se fosse um com-pilinha.


Iniciou-se um projeto com a leitura deste livro. Promoveu-se um debate sobre o problema identificado, em que cada criança teve oportunidade de dar a sua opinião sobre o sucedido: algumas crianças apresentaram exemplos de brincadeiras "destinadas" a meninos e outras "destinadas" a meninas, de acordo com as suas perceções; algumas crianças discordaram e comunicaram ao grupo que gostam de brincadeiras que, muitas vezes, são consideradas brincadeiras "do sexo oposto"; concluiu-se que todos podem brincar ao que quiserem. Realizaram-se vários jogos em que todos puderam participar. Por fim, foram preparadas dramatizações realizadas em pequenos grupos: cada grupo teve a liberdade de inventar a sua pequena história; cada grupo optou por uma técnica para a dramatização da sua história: teatro de actores, teatro de fantoches, teatro de sombras e teatro de objectos.
Porque é que eu não posso jogar o teu jogo? Porque sou menina? - foi o título do projeto. Mas a última pergunta também podia ser "Porque sou menino?", depende apenas da situação.

2 comentários:

  1. O problema começa quando rejeitas as camisolas compradas pela avó só porque dizem,em letras feitas de brilhantes, "I am a girl"...

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  2. Bem lembrado. A culpa é minha, pois claro. A avó com a melhor das intenções chega-nos a casa com uma camisola de alças, carregada de brilhantes, com aquele ar de: comprei isto, espero que gostem, tenho algumas dúvidas, mas acho que é para rapaz... A seu favor: ela não sabe Inglês. E, comprova-se, a culpa é toda minha, eu é que sou má influência para o miúdo.

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