terça-feira, 17 de novembro de 2015

No "quintal" da tua antiga casa

Vivias em Lisboa quando decidiste regressar ao teu país. Nunca senti que fosse uma escolha tua, uma vontade sentida. Senti-te muitas vezes com saudades dos teus, mas não me lembro de ver aquele brilhozinho nos olhos quando falavas em regressar. Acho que foi o facto de termos ficado desempregadas, a falta de oportunidades e a desesperança que ditaram o teu regresso. O vosso regresso. Tenho pena. Já não estavas cá quando o meu filho nasceu, logo tu que torceste tanto para que eu tivesse um bebé. Disseste-me muitas vezes, muito antes de eu decidir ser mãe, que devia ter um filho logo, que seria uma excelente mãe e que adoraria a experiência. Não te enganaste. Adoro ser mãe. Sempre te admirei, mas foi precisamente no papel de mãe que a minha admiração por ti despoletou. Hoje, queria ter-te mais perto, convidar-te para um almoço, ver-te chegar a um qualquer café de Lisboa, falar sobre os miúdos (os teus e o meu). Hoje, queria coisas simples, mas impossíveis, pelo menos para já.
Vivias perto da Gulbenkian, costumavas dizer que aquele Jardim era o quintal da tua casa. Que privilégio ter aquele quintal. Que privilégio estar a 5 minutos a pé daquela paz e poder usufruir daquela natureza. Era o teu quintal, eu fui lá no Sábado passado e lembrei-me de ti; eu e o meu filho, só os dois; fomos almoçar ao vegetariano que me apresentaste, lembras-te? E depois, andámos por lá a passear e a traquinar. Ele, para além da longa caminhada que o fez dormir uma sesta de 4 horas, fez das suas: Disse-lhe baixinho que queria ir à casa de banho, intenção esta que ele replicou em alta voz, de forma aldrabada, quando passámos por dois polícias: "a mamã quer fazer cocó"; olhámos para a escultura de Apolo e ele perguntou, com o dedo em riste, "o que é aquilo" e concluiu em voz alta que "aquilo" é a pilinha - ora que porra, se sabia porque é que perguntou; andou por lá aos pontapés a uma bola, numa das vezes aquele círculo perfeito que rebola foi travado por um "montinho" de dejetos (não sei se de cão, se de gato, se de quê); tentei fingir que aquela bola não era nossa, que tinha fugido, que o cão a tinha levado, mas ele quis a bola; o raio da bola, depois de "higienizada" com toalhitas, voltou connosco; molhou a camisola num chafariz; não se atirou para dentro de nenhum lago por sorte; mas apanhou e atirou pedrinhas com entusiasmo e com um sorriso nos olhos. Ele sim, com aquele brilhozinho nos olhos que não vi em ti quando partiste de cá. Espero que já o tenhas recuperado.
Hoje, partilho isto contigo, desta forma, porque não to consigo dizer pessoalmente na área da restauração das Twin Towers (Sete Rios) à hora de almoço... Lembras-te? Eu, tu e elas! Hoje, partilho isto contigo, desta forma, porque, como canta Sérgio Godinho, "há uns anos fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há". Saudades de ti.

2 comentários:

  1. bem...conseguiste arrancar-me lágrimas e mais lágrimas agora. estou com o coração pequenino, do tamanho de um grão de areia. tenho o queixo a tremer...conseguiste porque és tão verdadeira nas tuas palavras e escreves tão, mas tão bem!!! - além de mãe, devias ser escritora.
    amiga querida, como é bom sentir-te um bocadinho agora, mesmo quando tenho os olhos encharcados e mal consigo ver as teclas do portátil. sinto tantas saudades deste tempo que não volta mais. sinto que perdi tantas coisas vindo para cá. sinto que um livro fechou-se e outro começou a ser escrito, ainda assim meio sem rumo, com capítulos pela metade. queria eu estar aí, num café qualquer (ou talvez o linha d´água), a conversar contigo, rir e abraçar-te com muita força. ouvir novamente aquele sotaque que eu tanto quis copiar pra mim, mas que não conseguia. merda não poder fazer aquilo que queremos, quando queremos...merda ser refém do dinheiro, aquele que impõe regras duras para ser nosso. queria dar beijinhos ao teu filho querido que não conheço, e ainda não posso acreditar que não conheço o teu querubim. queria andar pelo meu quintal novamente, que quintal eu tinha, oh meu Deus! que privilégio sim... mas olha, não sei porque a vida me empurrou de volta e me trouxe tantas provações aqui. não sei o que eu tenho que aprender com esta situação que eu escolhi de algum modo...quando fecho os olhos e penso em lisboa, sinto o cheiro do vento frio de outono, e dos barulhos das folhas a rolar pelas ruas... penso nos nossos almoços com sangrias e nas nossas idas às livrarias a ver livros infantis... saudades daqueles dias. saudades de ti minha amiga. obrigada por estares aqui e por este post tão lindo e cheio de lembranças boas. admiro-te também. saudades de ti também. muitas.

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    1. As lágrimas que caíram agora são minhas. Apesar de tudo, apesar das dificuldades que sentes, acho que foi a opção acertada para as perspetivas que tinhas aqui naquela altura. Nunca saberemos como teria sido se tivesses ficado, mas acho que teria sido duro. Acho que teria sido igualmente duro. Ou até pior. Não penses no que podes ter perdido, pensa só no que ganhaste. Se o desejo de regressar se mantiver e se for para o vosso bem, voltarás. Eu desejo com muita força que o que aconteça, aconteça pelo melhor. Sempre pelo melhor. Vocês merecem.
      Tenho esperança que possamos estar juntas novamente; que posamos beber uma sangria e outra; que possamos dizer disparates sem qualquer reflexão ou medo de julgamentos; que possamos ir às livrarias e desejar comprar tudo.
      O quintal, aquele quintal, para mim, continua a ser teu. Será sempre. Quando voltares, se for para o vosso bem voltarás, ele continua lá, no sítio onde o deixaste cheio de lembranças e tatuagens da vossa passagem por cá. Lembro-me de fotografias vossas naquele quintal. Ninguém apagará isso.
      Uma coisa maravilhosa que ganhaste ao regressar ao teu país, foi essa nova profissão que iniciaste. As tuas fotografias transmitem realidade, amor, pureza, verdade. Continua a investir nessa área. Não desistas. Cá estou a torcer por ti. Sempre a torcer por ti!
      Beijinhos com muitas saudades.

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