segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Birras de felicidade

Escrito assim até se pode pensar que estou louca, que uma birra não traz felicidade a ninguém, apesar de sabermos que faz parte do crescimento, que é importante para o desenvolvimento, blá, blá, blá (sem desvalorizar o blá, blá, blá). A questão é que o miúdo anda tão, mas tão feliz, que não sabe bem como gerir tamanha felicidade. Ou melhor, não sabe gerir a excitação, o cansaço e o sono que se acumulam com tanta felicidade.

Perante uma semana com muitos motivos para andar feliz da vida, fez birras, andou agressivo. Bateu-me, bateu na avó, bateu no pai, levantou a mão à tia ou bateu-lhe mesmo (não percebi bem), empurrou uma menina no parque, bateu na prima (ela ignora que ele lhe bate, mas... eu não lido bem com isto). Fez birra porque não quis levar as crocs, fez birra porque quis vestir sempre camisolas de alças, fez birra porque quis comer sempre papa... Fez birras. Muitas. A tia acha que lhe deu muito mimo, acha que a culpa é dela. Não, não é. Ele anda efectivamente feliz, porque adora ir ao parque com as duas (tia e prima), gosta de jantar com elas, gosta do mimo da tia e das brincadeiras com a prima. Só temos de lhe agradecer por isso e pelo tempo que lhe dedicou. Mas ele não está bem. Está muito, muito cansado.

Falámos com a auxiliar da sala dele: não quer dormir a sesta, é sempre o último a adormecer, não dorme mais do que meia hora. Nestes dias, em que muitos miúdos estão de férias, ele brinca e corre muito mais do que o normal na escola. Depois da escola, brinca mais do que o habitual porque tem a adorada prima à sua disposição, deita-se mais tarde, anda excitado com tantas possibilidades de diversão. Parece-me que quer aproveitar o melhor de todos os lados, mas não consegue lidar com o cansaço que sente, acho até que o tenta contrariar. 

Na quarta feira à noite houve birra digna de palco (salvo seja, tomara eu esquecer-me que ela existiu, quanto mais elevá-la a este nível). Eu contrariei o que achei que tinha de contrariar, mas comecei a pensar em estratégias. Porque não fiquei bem comigo mesma, porque achei que podia ter feito de forma diferente.


Quando consigo prever, ou colocar na equação dos dias, que as coisas podem correr menos bem, consigo criar estratégias simples que funcionam com ele (e comigo): digo as coisa num tom calmo, meigo até, mas firme, sem grande manobra de divagação; digo-lhe o que vamos fazer e oriento-o nesse sentido. Quando não consigo prever, quando estou muito cansada ou apressada, eu própria faço birra e a coisa culmina com o aumento de cansaço para os dois. No fundo, acho que o desenvolvimento desta minha capacidade, de previsão ou contemplação de birras no dia a dia, pode funcionar  como um controlador de stress. Só preciso de aperfeiçoar a técnica. :)
No dia seguinte à birra monumental, o adormecer foi tranquilo, com uma história contada num tom de voz baixo e com regras: é hora de ouvir a história, só ouvir; de te virares para o teu lado preferido; de sossegares; se estas condições não estiverem reunidas, eu não posso ler. Só leio uma história. Depois, desejei-lhe boa noite e beijo-o. Apaguei a luz. Deitei-me ao seu lado. Deu umas voltas e adormeceu. Dormiu a noite toda. Com ele resultou.
Quando se levantou e veio na minha direção, ainda com um olho aberto e outro fechado, peguei-o ao colo e deixei-o acordar calmamente. Beijei-o, passei-lhe as mãos pelo rosto, perguntei-lhe se tinha dormido bem. Já quase a sair de casa, disse-lhe que tinha de levar as crocs, porque tinha jogos com água na escola. Disse-lhe que tinha uma camisola para vestir que, por acaso, era de alças. Perguntou-me se podia comer papa - não podia, a papa acabou e eu nos próximos tempos não vou comprar mais (já lho disse e já lhe expliquei o motivo, não repeti mais a justificação), comeu iogurte com cereais. Dei-lhe o abraço e o beijo do costume e pedi-lhe que ajudasse o pai (depois de eu sair ele fica só com o pai, é ele que o leva à escola na maioria dos dias). Ajudou. O final do dia de quinta feira correu bem e o início de sexta também. No sábado e no domingo fez sestas de quase 3 horas na tranquilidade da nossa casa.
Conversei com ele sobre o facto de andar tão cansado e de ter feito tantas birras, sugeri que tentasse descansar mais na escola. Disse-me que não gosta de dormir na escola, que quer dormir na Ama. Hoje levou um boneco para o ajudar a adormecer na escola. Vamos ver como corre.

Ele ainda precisa de dormir à tarde, mas não descansa na escola como em casa. Isto é um problema. Ele fica elétrico, fica completamente desnorteado. E nós, se não encontrarmos estratégias ou se não conseguirmos que ele descanse mais, também. Um dos motivos de não o inscrevermos num JI Público foi precisamente o facto de não poder dormir a sesta, mas mesmo no privado e com esta possibilidade, estamos a deparar-nos com esta dificuldade. Vou voltar ao meu horário normal (tenho feito horas extraordinárias) e penso que isso ajudará.
Lembro-me de a minha sobrinha passar por uma fase semelhante (um pouco diferente), em que todos os colegas da turma conseguiam ver um filme, por exemplo, e ela não. Não conseguia estar quieta. A educadora (do JI) acabou por sugerir que alguém a fosse buscar às 15h00 (que ela não ficasse na escola depois das 15h para as atividades), se fosse possível. No caso dela, com 5 anos, foi possível e resultou: ela precisava de dormir a sesta. E quando isto não é possível e os comportamentos fora do normal se mantêm e se arrastam no tempo? Quais são as dificuldades e os problemas que daqui advêm? Muitos, penso eu.

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