quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

À conversa com o meu filho #21 - Achas que sou especial?

- Mãe, achas que sou especial? 

- Sim filho, acho que és especial.  

- Porquê?

- Para mim és especial porque és meu filho - os filhos são sempre especiais para os pais. Também és especial para outras pessoas: és divertido, amigo, as tuas brincadeiras são interessantes e engraçadas, és brincalhão, és criativo/és inventor, tens boas conversas...
Eu gosto muito de estar contigo. Tens um sorriso maravilhoso, sorris com os olhos; dás abraços especiais e apertados; dizes que eu sou a tua mãe preferida... Acho mesmo que és especial, e não é só por seres meu filho (isto pode ser discutível, não para mim que sou a mãe do miúdo). És especial para o pai, para os avós, para os tios, para a prima, para a madrinha...

- Hummmm, a A. (a educadora) diz que eu não sou especial; diz que o F. é que é especial. Eu não.

- Ahhhh, vamos lá falar de crianças especiais. Vamos lá ver o que é que a A. quis dizer com isso.
(Não sei como surgiu a conversa, no entanto ele interpretou assim).

(Ainda não tenho a proximidade que gostava com a educadora, mas gostava de ter comentado este diálogo com ela. Certamente terminaríamos a rir da situação, e ela ficaria a perceber a interpretação que o miúdo fez relativamente aos amigos especiais).

- Filho, o F. tem de esforçar-se muito mais do que tu para conseguir fazer determinadas coisas. Por isso é que a A. diz que ele é especial.
(Conversámos sobre as dificuldades que este menino encontra no seu dia a dia, ele foi transmitindo o que sente relativamente aos comportamentos do colega, perguntei-lhe se conseguia ajudá-lo em alguma tarefa). Relembrámos este livro e lemos "Um detetive na cadeira de rodas" da mesma coleção.

Uns dias depois:
- Mãe, o F. estava a puxar os cabelos à M.; eu perguntei-lhe se ele queria puxar os meus cabelos; ele deixou a M.; comecei a correr e ele começou a correr atrás de mim; depois cansou-se de correr atrás de mim e desistiu...

- Huuuummmmm. E como é que ele ficou?

- Ele ficou bem. E a M. também.

(Não era bem isto que eu tinha em mente quando lhe perguntei se podia ajudar o F., mas ele encontrou esta solução).

*****

- Mãe, o Menino Jesus é especial?

- Sim. O Menino Jesus foi um menino/pessoa muito especial, por isso, ainda hoje, vive no coração de muita gente.
- É especial como o F.?


*****


Mãe, a C. faz anos no dia de Natal, faz anos no mesmo dia do Menino Jesus. Ela também é especial?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Lá vai ela a caminho dos 88

Lá vai ela tão franzina, figura frágil e dócil que esconde a ira herdada da vida, às vezes, refletida em palavras e expressões frontais sem qualquer floreado. Quando ela quer, ela consegue ser dura, apesar de doce e franzina.

Lá vai ela, a que não sabe ler nem escrever, mas que tirou o mestrado em abraços e mimos, pelo menos para pôr em prática com os netos (talvez só com os netos). É das poucas pessoas que beijo e abraço sem cerimónia. Tenho a certeza que a capacidade que tenho para beijar e abraçar o meu filho tantas vezes, se deve (muito) a ela: ao que ela me deu. 

Lá vai ela, a que guarda no rosto as marcas do caminho, as intempéries da vida, as mágoas, a desilusão e o cansaço.

Lá vai ela, a que adocicou os meus Natais com fritos finos, estaladiços e gulosos; com o bolo que herdou o nome de "bolo da avó" porque sempre foi ela que o fez; com um arroz doce que não há igual. Desiludo-me sempre que como arroz doce, nenhum é como o dela - não faço ideia se é o melhor, mas para mim é o verdadeiro.

Lá vai ela, a que nos defendia das iras da minha mãe, que se condoía com as nossas dores, que nos elogiava, mas, se necessário, nos atirava com verdades relâmpago. Talvez ela não tenha adquirido a capacidade de selecionar o que diz; talvez ela não faça nada para parecer bem ou para parecer mal. Talvez ainda guarde a pureza da sua essência, a inocência. Ela é assim e ainda bem.

Lá vai ela, a que sempre desejou conseguir juntar algum dinheiro, porque sempre teve de o contar até ao final de cada mês. Ainda assim, conseguia sempre ter uma nota de parte para nos dar no aniversário e no Natal. Eu sei que ela desejou muitas vezes ter mais dinheiro, viver melhor. Não que tivesse medo de trabalhar, mas desejava que o trabalho lhe devolvesse a possibilidade de ter uma conta a prazo, talvez porque se sentisse mais independente e segura com isso. Acho que eu e a minha irmã herdámos esta necessidade.

Lá vai ela, a que me deu uma tia-irmã. Foi mãe de uma menina aos 46 anos que é um ano mais nova do que eu.

Lá vai ela com dois bisnetos: uma menina e um menino. Como a minha irmã referiu, que pena eles não a terem como nós a tivemos.

Lá vai ela, a que me dizia desde os meus 20 anos: não demores a ter filhos, despacha-te a ser mãe, depois fico velha e não consigo ajudar-te... Fui mãe aos 37 anos e, sim, constatei que já eras velha para me ajudar. Mas lembra-te que guardo a certeza de que se tivesse sido mãe cedo, era contigo que ele tinha ficado até aos três anos de idade.

Lá vai ela, a que cozinhava para nós, a que descascava a fruta e a cortava em pedaços para termos apenas o trabalho de a saborear. Eu olhava para ela e admirava o gosto e o orgulho que ela colocava naquele ritual. Hoje, quando preparo a fruta para o meu filho, compreendo-os melhor  (o gosto e o orgulho). Simbolizam o cuidado e o mimo por quem amamos.

Lá vai ela a chegar ao fim dos 87 anos, já com menos força, menos garra, menos saúde, mais dependente. Mas com o (meu) profundo  desejo de continuar a dizer "lá vai ela", por muitos e muitos anos.

Lá vai ela, a minha avó, a caminho dos 88.