quinta-feira, 19 de maio de 2016

Pessoas que me inspiram #2 -Quem foi o professor que mais vos influenciou?

É a questão colocada numa publicação na página de facebook da Raiz Editora:


Não me lembro de muitos dos professores que tive. A maioria não me marcou, até porque eu não tinha uma boa relação com a escola. Nunca fui boa aluna. Não gostava da escola. Não estudava. Achava que algumas das matérias eram muito básicas, outras não me interessavam. Tive alguns problemas de saúde que me levaram a faltar algumas semanas durante 4 anos consecutivos (visão no 2.º ano, operação no 3.º ano, acidente no 4.º ano, febre reumática no 5.º ano). Chumbei no 6.º ano e a justificação unânime foi a da ausência por períodos de tempo, relativamente longos, nos anos anteriores. Não me parece, sinceramente, que tenha sido esse o motivo. No 6.º ano faltava à escola para passear com amigas que não eram da minha turma, logo tinham horários diferentes do meu; foi a maneira que encontrei para estar com elas. Apesar das desconfianças da minha mãe, nunca andei com más companhias (talvez a má companhia fosse eu), nunca fumei,  nunca bebi, nem tinha namorado; faltava (às aulas, não à escola) porque qualquer coisa era melhor do que estar nas aulas. Lembro-me de detestar quando o meu pai me chamava a atenção pelo meu fraco desempenho escolar. E quem é que lhe chamava a atenção pelo seu fraco desempenho parental? Pensava eu - talvez seja injusto escrever isto, não sei se a culpa terá sido apenas dele, mas minha não terá sido com certeza. Aquele chumbo foi perdoado, mas não podia haver outro. Cheguei ao final do 2.º período do 8.º ano com 1 positiva (ou nenhuma, não tenho bem a certeza). A minha mãe chegou a casa, depois da reunião com a Diretora de Turma, com a minha sentença definida: sair da escola e ir trabalhar. Lembro-me bem desse dia, lembro-me do dia seguinte, lembro-me do medo e do peso daquela sentença e da mudança que isso teria na minha vida, lembro-me das conversas na escola no dia seguinte. Parece que fui o tema principal da reunião. Implorei para que a minha mãe não me tirasse da escola, prometi que recuperaria no 3.º período. Ninguém acreditava naquela recuperação, eu tinha andado a assobiar para o lado o ano inteiro, tinha 1 mês e pouco de aulas porque naquele ano a PGA (Prova Geral de Acesso) seria realizada naquela escola. A minha mãe acedeu ao meu pedido. Levantava-me às 5 da manhã para estudar e pôr matéria em dia. A maioria dos meus colegas faria apenas um teste, eu teria de fazer 2 a todas as disciplinas. Era difícil, mas eu meti na cabeça que tinha de tentar. Tentei, esforcei-me e consegui. Transitei para ano seguinte. Mas o meu problema com a escola continuava a existir. No 9.º ano repeti a "brincadeira" e não correu bem. Não tentei recuperar com o afinco do ano anterior. Chumbei. Saí da escola. Comecei a trabalhar. Fui proibida de visitar as minhas amigas de sempre (vivia num sítio e estudava noutro). Perdi, aos 14 anos (quase a fazer 15), as minhas raízes. Paguei caro por isso. Fui estudar à noite no local onde vivia. Fiz o 9.º ano. Resolvi tentar o 10.º ano. Toda a gente achava que eu não tinha queda para a escola, que eu não era capaz, que era pouco inteligente. A escola deixou de ser uma obrigação, a minha obrigação era trabalhar. Não faltava à escola. Fiz o 10.º, 11.º e 12.º anos à noite, a trabalhar, sem chumbar, com média de 15.
No 10.º ano tive uma professora de Geografia que me perguntou que área seguiria quando fosse para a faculdade. Nunca tinha pensado seriamente (talvez secretamente) avançar para uma licenciatura; acho que ninguém, até aquele momento, pensou que eu fosse capaz de tirar um curso superior; tinha sonhos, mas (julgo) não me achava capaz. Esta professora mudou o meu percurso com esta simples pergunta. Ela não questionou se eu pensava ir, ela apenas considerou que uma aluna como eu iria, naturalmente e garantidamente, para a faculdade. O meu percurso não foi fácil, não arrisquei quando devia ter arriscado. Quando terminei o 12.º ano entrei em Biologia, mas desisti porque não consegui conciliar escola e trabalho. Anos mais tarde, decidi tentar conciliar trabalho e faculdade (tudo em horário diurno), sabia que era difícil, mas a pergunta daquela professora nunca me saíra da cabeça. Tirei a licenciatura de 3 anos em 3 anos. Profissionalmente falando, ainda não alcancei o que desejo, mas pessoalmente, aquela professora mudou-me para sempre. Mudou o meu percurso, os meus objetivos, a imagem que tinha de mim. Ela não imagina até onde irá a sua influência. Nem eu. Mas acredito que um professor pode ser um marco fundamental na vida dos alunos (crianças e adultos).
Obrigada, professora Cristina.

Não tenho, propriamente, orgulho no meu percurso escolar; sei que paguei caro pelas minhas opções, mas também não sinto vergonha. É o meu percurso, foi o que vivi, faz parte do que sou. Se mudaria alguma coisa se voltasse atrás? Com certeza. Apesar de saber que foi o meu percurso que me trouxe até aqui, tentaria um trilho mais fácil.
Se leres isto um dia, filho, retém esta última parte: eu mudaria algumas das minhas opções. Lembra-te que a tua decisão de hoje influenciará o teu amanhã; pode não condicioná-lo ou defini-lo, mas que o influenciará, influenciará. Desejo que faças boas escolhas e que mesmo as menos boas te façam evoluir.

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